Primaveras - Pra não dizer que não falei de amores
( Ângela Maria Volpe )
Quando o outono bate à nossa porta, com suas folhas e flores caindo por caminhos tantas vezes percorridos, sentimos desabrochar lembranças esquecidas há tempo em nossa memória.
O que os anos vividos nos ensinam?
Amar? Perdoar? Tolerar? Compreender? Persistir?
São muitos os saberes e sentimentos mesclados em um turbilhão de razões e emoções.
Em certo momento da vida, assim como eu, muitos se deparam com uma sensação de volta, de regresso ao ponto de partida.
Choramos com mais facilidade ao ouvirmos uma música marcante de nossa juventude. Alegramo-nos ou sentimos saudade ao olharmos fotos antigas ou assistirmos a um filme que nos fez sonhar e suspirar no escurinho do Cine Zenith. Ficamos felizes ao rever colegas de escola ou amigos com quem brincávamos na infância que já parece tão longe e ao mesmo tempo tão perto... Em nossa mente, recordamos as brincadeiras infantis, os professores que eram tão respeitados, as paixões arrebatadoras da adolescência, os bailes de debutantes e de carnaval no Clube Literário e na Associação Beneficente, os “flertes” na Praça 21 de Abril e a deliciosa sensação dos mergulhos na piscina do Clube.
Quantas experiências adquiri e fatos históricos presenciei quando jovem, nos finais dos anos 60, na época em que frequentava a faculdade na Capital e participava ativamente das manifestações estudantis. Lembro-me bem das polêmicas peças teatrais e dos festivais de música popular que faziam muito sucesso naqueles anos efervescentes.
Fiz parte da geração que transformou o comportamento da sociedade. Nada mais foi igual depois do surgimento da pílula anticoncepcional. Sem dúvida, a grande responsável pela mudança na forma de pensar os costumes e a moral.
Fui mãe duas vezes. Filhos que perdi precocemente. Foram golpes duros, mas do sofrimento tirei forças para continuar a caminhada. Tive um pai amoroso e trabalhador, uma mãe forte, culta e determinada, familiares e amigos que sempre de alguma forma deixaram marcas profundas.
Do fundo desse baú, emergem fatos e sentimentos que formaram minha personalidade.
Então me questiono: de onde vem a paixão pelo futebol? Pelo Palmeiras?! Papai era um torcedor apaixonado pelo seu time e faleceu em um estádio de futebol, assistindo a uma partida em Ribeirão Preto, quando seu time perdia. A emoção foi muita para o seu coração doente. No final, o Palmeiras venceu o jogo, e papai encerrou sua passagem por aqui e alçou voos mais altos e condizentes com sua bondade e generosidade. Mamãe teve muita influência em minhas decisões através de seu exemplo. Profissionalmente, como ela, segui a carreira do Magistério. Participo de várias atividades sociais, tal como ela fez durante toda vida. Não tenho a pretensão de me comparar às suas virtudes e muito menos à sua religiosidade e fé inabaláveis.
Cada filho, dizia minha mãe, tinha um santo protetor por ela indicado. Fui colocada sob a proteção de Nossa Senhora das Graças. Com o passar do tempo, apeguei-me também a Nossa Senhora Aparecida, a quem recorro nos momentos difíceis.
Em minhas orações, agradeço pela minha família, pelo meu companheiro, pela oportunidade de ter trabalhado com crianças e jovens por quase 50 anos, como professora e diretora de escola e por coordenar e orientar alunos e músicos da Orquestra Jovem de Sertãozinho.
Peço a Deus disposição para compartilhar a experiência e o conhecimento adquiridos com toda a comunidade.
Tal como minha mãe, um dos amores que cultivo com carinho é pela nossa terra natal.
Sertãozinho significa para mim muito mais do que o berço em que nasceram meus pais, meus filhos e meus irmãos. É uma paixão inexplicável, o ar que respiro, o lugar onde gosto de estar, repleto de lembranças de ontem, hoje e sempre.
Algumas coisas não temos mais como resgatar. Não retomamos a história, apenas podemos recordá-la. Contudo as velhas e boas amizades continuam. As animadíssimas reuniões e encontros com familiares e antigos companheiros, que ainda curtem a graça da vida, são hoje o presente do meu passado.